segunda-feira, 8 de julho de 2019

Morre o cantor e compositor João Gilberto aos 88 anos

O cantor e compositor João Gilberto, um dos criadores da bossa nova, morreu neste sábado, 6, segundo uma postagem de seu filho João Marcelo nas redes sociais. A causa da morte ainda não foi confirmada pela família. "Meu pai morreu. Sua luta foi nobre, ele tentou manter a dignidade à luz da perda da independência. Agradeço minha família por estar aqui por ele", escreveu o filho do cantor.
João Gilberto era o próprio violão. Calado para o mundo, ruidoso consigo mesmo, percutia as ideias em sua caixa de ressonância de forma que só quem estivesse próximo o escutasse.
Na vida em monastério que adotou por anos, seguia invisível e em total silêncio, abrindo a porta de seu apartamento apenas para poucos, como a filha Bebel Gilberto, a ex-namorada Claudia Faissol e sua filha com ela, Lulu.
João não estava pronto para se tornar um gigante.
Nunca entendeu bem o que era isso. Menino de Juazeiro da Bahia, nadou nas águas do São Francisco e beijou garotas da vizinha Petrolina como se fosse normal. E era, até o dia em que avistou um caminhão vindo por uma estrada que cruzada sua cidade.
Ao amigo que o acompanhava, disse como se recitasse uma oração: “Veja lá aquele caminhão, que maravilha.
As árvores estão acariciando sua cabeça.” Árvores, pássaros, chuva, tudo parecia mais importante a seus olhos e ouvidos do que os próprios homens.
Mas a história estava em suas mãos. Filho do comerciante Juveniano Domingos de Oliveira e da católica Martinha do Prado Pereira de Oliveira, a Patu, João viveu em terras juazeirenses
até 1942, aos 11 anos, quando seguiu para estudar em Aracaju. Juazeiro ainda o teria de volta quatro anos depois, quando o violão que o pai lhe deu começou a ganhar as primeiras carícias.
A Rádio Nacional lhe trazia o mundo e João flutuava ao som de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Chet Baker e Carmen Miranda.
O primeiro grupo, Enamorados do Ritmo, veio logo, e Juazeiro ficou pequena.
A cidade que o recebeu na sequência teria sério papel na formação de seu caráter artístico. Aos 18 anos, em Salvador, já trabalhava com carteira assinada na Rádio Sociedade da Bahia, em Salvador.
Não havia ainda desenhado o formato voz e violão,
mas seguia os mandamentos de Orlando Silva tentando imitá-lo, por mais que o moderno já fossem Dick Farney e Lúcio Alves.
O grupo vocal Garotos da Lua o chamou e lá se foi, ainda sem a obrigação com o violão, gravar dois discos em 78 rotações.
O Rio de Janeiro fervia na segunda metade dos anos 50, e foi para lá que João seguiu, aos 26 anos, em 1957. Sem muitos recursos, seguia a trilha de quem queria ser alguém com um violão debaixo do braço. Cantou para quem poderia fazer a diferença,
como o cantor Tito Madi, mas teve mais sorte ao cair nas graças do produtor e também violonista Roberto Menescal.
O violão de João virava a vedete. Bim Bom, uma das primeiras que apresentou aos círculos de artistas no Rio, já trazia o caminhão com a carroceria cheia. A levada uniforme deslocando acentos fortes para lugares incomuns, a harmonia abrindo picadas onde ainda ninguém havia passado, a mão que fazia acordes fazendo também percussão. E a voz. A voz de João deixava as tentativas da impostação e partia para o que fazia o trompetista Chet Baker quando cantava.
Volume baixo e notas de longa duração, limpas, sem vibrato. João, depois de acreditar no violão,
passava a ter fé no fio da própria voz.
E, então, fez-se a Bossa Nova. Era julho de 1958 quando Elizete Cardoso aparecer com o disco Canção do Amor Demais, com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
Ao violão em duas das faixas, Chega de Saudade e Outra Vez,
João Gilberto.
E era só a ponta da cabeça de um baiano que se revelaria por inteiro um mês depois. Em agosto, João, já uma aposta de Tom Jobim, Dorival Caymmi e Aloysio de Oliveira, grava seu próprio 78 rotações com Chega de Saudade e Bim Bom, gravado pela Odeon.
Se acabasse aqui, a missão de João já estaria completa.
O que ele fez foi pouco e simplesmente tudo.
Criou um violão brasileiro e, sobre ele, ajudou a fundar um gênero. Seguiu na formatação de sua proposta com o seguinte 78, em 1959, que trazia Desafinado, de Tom e Newton Mendonça,
e Hô-bá-lá-lá, música de sua autoria.
E ainda traria seu LP Chega de Saudade, definindo-se como um acontecimento. “Em pouquíssimo tempo, (João) influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”, escreveu Tom na contracapa do disco. 


João Gilberto teve a carreira amplamente reconhecida também no exterior.
Vencedor do prêmio Grammy, ele começou a fazer sucesso em Nova York ainda nos anos 60.
O bruxo de Juazeiro no templo da música americana.
Em 21 de novembro de 1962 um show não tão bem-sucedido mudou a história da música brasileira.
Na plateia do Carnegie Hall, grandes nomes do jazz foram ver de perto João Gilberto e sua então mulher, Astrud Gilberto:
Tom Jobim, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Sérgio Mendes.
Mas o teatro estava acostumado a receber shows barulhentos,
com grande volume sonoro.
João Gilberto esperou silêncio total pra começar a cantar "Desafinado".
No dia seguinte, o jornal The New York Times disse que a estratégia de captar os sussurros, espalhando 11 microfones no palco, deixou o som monótono.
Mas a bossa nova ganhou Nova York, como se os moradores de apartamentos minúsculos entendessem quem toca e canta baixinho para não acordar os vizinhos.
Em 1962 o saxofonista Stan Getz tinha lançado a música: “Jazz Samba’.
A gravação só tinha músicos americanos.
Uma adaptação muito fiel de “Samba de uma nota só”, do maestro Tom Jobim.
Em 1963, Getz ganhou um Grammy de melhor intepretação de jazz por “Desafinado”. Depois desse sucesso ele foi direto à fonte e chamou João Gilberto e Tom Jobim pra fazer um disco gravado em apenas dois dias: Getz/Gilberto.
Virou um dos maiores clássicos di jazz. Levou o Grammy de melhor álbum,
desbancando os Beatles, que também concorriam.
A gravação de “Garota de Ipanema”, com vocais de Astrud Gilberto virou um dos hits do ano e virou a canção brasileira mais conhecida no mundo.
O álbum vendeu mais de dois milhões de cópias.
Foi o grande responsável por espalhar a bossa nova pelo mundo.
Principalmente pelos Estados Unidos, Europa e Japão.
Em 2008 João Gilberto voltou ao palco do Carnegie Hall.
Dessa vez sozinho, um banco e um violão.
Dessa vez o New York Times conseguiu medir seu tamanho.
O jornal publicou: Sr. Gilberto toca e canta tão suavemente que um silêncio cai sobre a sala, e o próprio tempo parece prender a respiração.

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